Fonte da imagem: https://cpaq.ufms.br/projeto-de-extensao-sobre-poesia-e-infancia-com-manoel-de-barros-convida-para-abertura-de-suas-acoes/
(AR)RISCO POEMAS
Nesta prosa vou falar de poemas.
Poema é um estilo de escrita fascinante. O caro leitor e a cara leitora devem ter estudado nas aulas de Literatura tantos autores e tantas formas de escrever um poema, seguindo determinada escola e determinada métrica e rimas, etc.
Não me apego a métricas e rimas, gosto de degustar a mensagem por trás das palavras. Não que o autor tenha alguma intenção de transmitir mensagem, às vezes é só expressão de um momento e não quer dizer nada. E isso é que fascina. Considero poema um estilo simples e profundo, capaz de fazer o leitor viajar com apenas uma linha de palavras conectadas que por vezes desafia a razão e a lógica. A graça é o que aquelas palavras causam em você. Cada pessoa terá uma percepção diferente, pois o sentido depende da bagagem que cada um carrega no seu porta-malas interior. O poema para mim tem a função de gerar emoções, sentimentos e reflexões próprias no leitor, o usuário dos versos. E não explicar o que o autor quis dizer.
Meu fascínio com poemas começou quando minha tia Lea me apresentou Manoel de Barros. Um perito das palavras, o poeta das miudezas, capaz de transformar o simples em fantástico. Foi ele quem disse certa vez que achava engraçado tentarem saber o que o poeta Manoel quis dizer com as suas poesias. “Eu não quis dizer nada”, disse ele, “poesia não é para descrever é para descobrir”. E foi ele quem disse também: “Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira”.
Se o caro leitor e a cara leitora se interessarem, aqui está o link do documentário sobre Manoel de Barros intitulado “Só dez por cento é mentira”: https://www.youtube.com/watch?v=VG4P_mWWAI0
Encantado com Manoel, minha tia que passou a ser também minha instrutora literária (a mulher tem muito bom gosto), me incentivou a ler outros poetas encantadores como os portugueses Fernando Pessoa e mais recentemente Afonso Cruz. Este último escreveu o livro “Vamos comprar um poeta”, recomendado por este que vos escreve. Uma leitura muito gostosa!
Cismei e escrevi. Esta foi a frase que me veio à cabeça quando acumulado de alguma coragem manifestei as letras no papel digital usando a tinta do teclado do notebook pela primeira vez. Longe de mim querer dizer alguma coisa, perto de mim expressar apenas palavras. Palavras me encantam e são muito divertidas. Ótimas companheiras nestas brincadeiras.
Então lá vai, aqui estou brincando de ser poeta, olhando para cima e vendo Manoel. (Ar)riscando poemas.
(RE)DESCONHECIMENTO
Até quando se pensa que houve um aparente fracasso
Ao se tentar descobrir o porquê das coisas.
Mais profundas, mais rasas,
Mais profanas, mais sagradas,
Há um ganho.
Conseguir não descobrir.
Você pensa que desconhece.
E é ignorante até nesse desconhecimento,
Pois consegue não descobrir.
Redesconhece as coisas.
Manoel de Barros quem me ensinou essas ignorãças.
…
BARBEIRO DE PLANTAS
O lírio da paz estava amarelado
em suas pontas.
Ouvi a mãe dizer que cortou as pontas do cabelo.
“Para quê?”
“Para crescer mais forte.”
Aparei as pontas das folhas do lírio da paz.
A mãe ficou brava.
“É para crescer mais verde.”
Quando crescer vou ser barbeiro de plantas.
…
VIAGENS DE PALAVRAS I
Retrato.
Imagem roubada do vento.
Re-trato.
Tratar de novo.
Talvez a imagem não ficou do agrado.
…
Acertiva
Palavra escrita errada.
O certo é assertiva.
Não existe a palavra com a letra C na língua.
Protesto contra a ortografia.
Oras, acertiva vem de acerto.
A língua pode não ser acertiva.
…
Vidente.
O sujeito que sabe o que acontece antes de acontecer.
A mãe é vidente quando sabe que subindo na árvore posso quebrar o dente.
“Não suba aí, menino, vai se estrepar. Vi dente, ali no chão, ó!”
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Pintor.
Aquele que pinta, mentor de tinta.
Aquele que colore coisas.
Usa cores para criar vida.
O pai é pintor quando aconselha:
“Envermelha uma vez para não amarelar a vida inteira!”
Pintor de caráter, o pai.
…
MISTURANÇA
Manoel de Barros é o Rubem Alves da poesia.
Rubem Alves é o Manoel de Barros da prosa.
Luís Fernando Veríssimo contaria o encontro dos dois.
Eu sou nada não.
Quer dizer, sou.
Sou o cara da misturança.
Misturei uma colher de chá do que li de Alves com uma pitada de Barros e uma colher de sopa de Veríssimo no liquidificador.
Gosto do liquidificador.
Processa os trem e dá um suco diferente.
Eu bebo deste suco. É bom.
Eu acho…
…
Para mais poeminhas riscados pela minha audácia de arriscar (“Se precisar errar, erre pela audácia”, diria a personagem Sarah do livro “A invenção das Asas” de Sue Monk Kidd), acesse https://cronicabox.com/category/o-barbeiro-de-plantas/